sábado, 31 de julho de 2010

"Iniciado" - Fernando Pessoa



Depende do que se entende pela palavra «iniciado».

Chama-se iniciação ao entendimento profundo dos símbolos, sendo considerados símbolos, e não lições directas ou factos históricos, os rituais e (...) de todas as religiões. Assim um cabalista não interpreta os «seis dias» da criação do mundo como sendo «dias» no sentido directo; atribui-lhe outro sentido, que não importa qual seja. Assim um cabalista cristão não toma literalmente a narrativa dos Evangelhos; o nascimento de Jesus, e a sua morte, por exemplo, são por ele considerados como exposições simbólicas. Para um cabalista cristão a Segunda Pessoa da Trindade não pôde nascer em Nazaré (Belém).

São três os caminhos da iniciação; servir-nos-emos, para os designar, das palavras de Saint-Martin: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. A iniciação fraternitária consiste na entrada do candidato para qualquer Ordem com fins directamente iniciáticos, seja a Maçonaria seja qualquer Ordem superior a ela que não exija a qualificação maçónica. Este tipo de iniciação é o que convém aos espíritos por natureza pouco desenvolvidos, a quem a «cadeia de união», a participação com outros do mesmo simbolismo, é indispensável para abrirem caminho - se de todo lhes não for vedado abri-lo - através dos graus íntimos, em que a iniciação consiste.

O caminho da igualdade consiste na entrada do candidato para qualquer religião (...).

Há homens que só podem ser indivíduos em sociedade, isto é, cuja vida é essencialmente subordinada, para seu desenvolvimento, ao contacto com a vida alheia. Há outros homens que precisam, como aqueles, da vida alheia para se completarem em si mesmos, porém não precisam da subordinação, senão da simples coexistência. Há ainda outros, mas são raros, para quem a vida alheia é inútil, quando não daninha; que passam no mundo solitários por natureza, e são indivíduos em si mesmos.

A nenhum homem, se nele houver a disposição e o destino, a iniciação é vedada. A cada um dos três tipos de homens convém contudo um dos três tipos de iniciação. Os três tipos de iniciação são a iniciação pela Fraternidade, a iniciação pela Igualdade e a iniciação pela Liberdade. Sirvo-me da expressão trinitária de Saint-Martin, mas deve compreender-se que ela nada tem que ver com os falsos usos que mais tarde se fizeram dela, quer tomando-a como lema ou moto de algumas das Maçonarias (com a notável excepção da inglesa, cujo lema é «temer a Deus e honrar o Rei»), quer tomando-a como lema ou moto de coisas puramente profanas, como a Revolução Francesa, os princípios democráticos, ou o que mais seja.
A iniciação por Fraternidade convém aos indivíduos espiritualmente pouco desenvolvidos, e em quem o estímulo das faculdades intuitivas não pôde ser dado senão por meios materiais e grosseiros, como, por sua natureza, são os rituais, a cadeia de união, o contacto com outros em templos telhados.


Fernando Pessoa

quinta-feira, 29 de julho de 2010

"Maçonaria Simbólica" de Raul Silva


Maçonaria Simbólica
Raul Silva
Editora Pensamento, SP, Brasil

A Reencarnação - Papus



A Reencarnação
Papus
Editora Pensamento, SP, Brasil

A Tradição Maçónica e o Despertar da Consciência de Rémi Boyer



A Tradição Maçónica e o Despertar da Consciência
Rémi Boyer
Arcano Zero, 2009


"Este livro propõe uma metodologia para pôr em prática a função pré-iniciática, metodologia dirigida, quer aos candidatos à Iniciação, quer aos quadros das sociedades e Ordens que querem "transmitir" a Iniciação, ainda que, como veremos mais à frente, no domínio da Iniciação, a ideia de transmissão esteja errada.
Por fim, avisamos o leitor de que tudo o que aqui é enunciado é totalmente falso, ou, mais exactamente, como em qualquer enunciado teórico, nem é verdadeiro, nem é falso, mas nasceu da experimentação em várias lojas maçónicas e paramaçónicas na Europa, África e América.
Tudo o que aqui é apresentado nestas páginas poderá ser útil ao buscador realmente empenhado." (pág.38)




"Poderá a Maçonaria, que Martinez de Pasqually considerava apócrifa, já lá vão dois séculos e meio, ser uma sociedade de iniciáveis? Na quase totalidade dos casos, somos obrigados a concluir pela negativa. Tendo-se tornado numa sociedade profana, incapaz de ascese e de praxis, gangrenada por preocupações mercantis e políticas, ou, mais simplesmente, burguesas, a Maçonaria não se distingue dos numerosos clubes, círculos ou associações que animam as nossas sociedades modernas senão por um cerimonial, vazio de sentido para a maior parte dos participantes e assistentes."


Rémi Boyer
"A Tradição Maçónica e o Despertar da Consciência"
Arcano Zero

Iniciação

Como, então, deve um homem que busque a iniciação treinar-se para ela? Como, por outras palavras, deverá ele tomar dentro de si os Graus de Neófito da Ordem Interior? Ele deve começar por familiarizar-se com sistemas filosóficos e com a filosofia que emerge, mal ou bem, das aquisições mais recentes da ciência Com este suporte, ele deve reflectir e comparar, confrontando sistema com sistema, teoria com teoria e parte de cada sistema comas outras partes. Desenvolverá assim a sua inteligência abstracta sem a qual a intuição que ele busca desenvolver mais não será do que emoção.


Ele deve começar por se despir de todos os preconceitos dogmáticos, de todas as coisas que foram
introduzidas no seu espírito pela educação e pelo hábito. O caminho da iniciação não pode ser alcançado através dos portais de qualquer das igrejas, mas antes através dos portais de todas ao mesmo tempo ou de nenhuma. Seguidamente, ele deve familiarizar-se com sistemas religiosos de todas as espécies, com sistemas filosóficos.... (ut supra).

Deve depois elaborar, o melhor que puder, um sistema próprio seu, construído lentamente, com aquilo que ele aprendeu, sem necessariamente o escrever, um sistema, tão coerente quanto ele puder fazê-lo, de interpretação do universo nas triplas linhas de verdade, beleza e conduta.

Depois procederá ao abandono do sistema que formar. Terá chegado a amá-lo, mas cabe-lhe agora reconhecer que ele não vale mais do que os outros sistemas filosóficos que ele comparou entre si e, uma vez que estabeleceu o seu próprio sistema, rejeitou.

Assim, ele terá atravessado os quatro estádios da tentação do Mundo — o Dogma, a Inteligência Concreta ou Ciência, a Inteligência Abstracta ou Filosofia e a Inteligência Crítica.


O Dogma pelo qual ele está preso aos outros; a Ciência pela qual ele está preso à Natureza; a Filosofia pela qual ele está preso aos espíritos de outros; a sua própria filosofia pela qual ele está preso a si próprio, porque o Mundo é tudo isto. Uma vez que passou estes quatro estádios do grau de Neófito, está pronto para a iniciação. Dele depende agora escolher por que caminho a fará—se pelo caminho místico, se pelo caminho mágico ou pelo gnóstico. É mais justo dizer o caminho por onde ele começará a fazê-la, porque a iniciação plena no grau de Adepto inclui os três. No primeiro Grau de Adepto ele tomará a via que escolheu e completará o seu caminho nela; no segundo Grau de Adepto ele tomará uma das outras duas vias; no terceiro Grau de Adepto ele tomará a via que resta.

Ele tem de vencer as três tentações que estão subjacentes à Carne — os desejos que são vencidos pelo Misticismo; as indecisões que são vencidas pela Magia; os enganos que são vencidos pela Gnose. Tem de vencer (…)


Dir-se-á que isto torna a iniciação uma tarefa muito difícil. Torna-a, porque assim é. Por que é que a iniciação havia de ser fácil? Dir-se-á que só um homem de especial inteligência pode tomar os graus de neófito, uma vez que é necessário ter capacidade de reflexão abstracta para se ser apto em filosofia, e nem toda a gente a possui. Mas por que é que toda a gente havia de estar em condições de ser iniciado? Se se disser que isto é injusto, podemos replicar assim: Porque é que o universo havia de ser justo? — o que é talvez uma resposta errada, mas certamente suficiente, — ou que a questão se baseia no pressuposto de que não há desenvolvimento no mundo; ou, por outras palavras, que o homem termina num curto lapso de vida terrena e que é possível que a reencarnação seja verdadeira quando não há injustiça, mas apenas graus, porque na própria vida exterior há graus de força, beleza, inteligência e outras coisas idênticas.


Um homem pode, pelo menos, aspirar à iniciação e, se a inteligência abstracta é o primeiro grau no caminho e ele não tem inteligência abstracta, pode pelo menos aspirar a ela; custa-lhe tanto ou tão pouco aspirar à inteligência como à iniciação, e realmente ele aspira à mesma coisa na ordem própria quando aspira à inteligência.


(O místico sem inteligência não atingiu o primeiro Grau de Adepto: ele não fez mais do que atingir o grau intermédio entre os Graus de Neófito e de Adepto, o purgatório vazio da ascensão errada).



Fernando Pessoa

terça-feira, 27 de julho de 2010


Afinal o conteúdo dos mistérios resume-se em ensinamentos, sobre três ordens de coisas, que sempre se julgou que não devem ser reveladas ao geral dos homens. Sempre se julgou que aqueles ensinamentos, que as religiões ministram, deveriam ser adaptados à mente dos que a os recebem, e, como muitos deles — tal é a opinião dos iniciados — são de ordem que o povo em geral os não compreenderia e que portanto, compreendendo os pervertidamente, se perturbaria com ele, segue que se pensou que esses ensinamentos se deveriam dividir em duas ordens: exotéricos ou profanos os que são expostos de modo a que todos possam ser ministrados; esotéricos ou ocultos os que, sendo mais verdadeiros, ou inteiramente verdadeiros, não convém que se ministrem senão a indivíduos previamente preparados, gradualmente preparados, para os receber. A esta preparação se chamava, e chama, iniciação. E esta iniciação é ela mesma gradual em todos os mistérios, e de tal modo disposta que o indivíduo inapto para receber esses ensinamentos ocultos se revela tal antes que eles lhe sejam inteiramente dados.


Se esses ensinamentos ocultos são verdadeiros, ou apenas especulações abstrusas, é outro problema. Se os hierofantes do oculto têm, na verdade, maior conhecimento da verdade pura do que nós profanos, que a buscamos, se a buscamos, com a leitura; ou a meditação, ou a inteligência discursiva e dialéctica — não o podemos nós saber. Tudo isso pode ser sinceramente crido pelos iniciados, e ser falso. O oculto pode ter alucinações próprias, enganos seus.


Seja como for, o certo é que os ensinamentos ministrados nos mistérios abrangem três ordens de coisas: (1) a verdadeira natureza da alma humana, da vida e da morte, (2) a verdadeira maneira de entrar em contacto com as forças secretas da natureza e manipulá-las, e (3) a verdadeira natureza de Deus ou dos Deuses e da criação do mundo. São, respectivamente, o segredo alquímico, o segredo mágico, e o segredo místico. Ao primeiro chama se alquímico porque os ensinamentos relativos a ele são em geral ministrados através de símbolos da chamada alquimia, que não é mais, como hoje claramente se sabe, do que uma linguagem simbólica.


Fernando Pessoa

domingo, 25 de julho de 2010




Toda a conduta deve ser conforme com o fio de prumo.

Ptah-hotep
As Ordens Maiores, e sobretudo os Graus Mágicos dessas Ordens, têm que ser atacados, quando o sejam, com as armas próprias do grau. Atacá-las com armas de outro grau é desencadear as forças magicamente defensoras do grau atacado; e, como estas são de ordem superior àquelas que se empregam para o ataque, desencadeia-se sobre o inimigo, sobretudo se vitorioso no grau onde atacou, tudo quanto está magicamente de guarda ao grau atacado. (Nas próprias Ordens Menores há que haver cuidado, quando se atacam, em que o ataque incida sobre aquilo que se ajusta aos processos de ataque. Se o ataque é a actividades externas da ordem, deve incidir sobre os indivíduos, deixando a Ordem intacta. Se o ataque é às ordens mesmas, deve incidir sobre a sua íntima natureza e ser feito por processos não externos. É por isso um erro crasso atacar a Maçonaria sempre que se quer atacar a sua actividade abusiva, política ou outra. A Maçonaria, sendo uma Baixa Ordem, é contudo uma Ordem magicamente selada pelos seus Superiores Secretos; e todo o ataque que, com o pretexto de ser às suas actividades inferiores, se faz à própria Ordem incide contra forças mágicas, pois que, em vez de ser dirigido contra os chefes secundários, passa a sê-lo contra os chefes superiores.


Há um terrível exemplo histórico da imprudência profana de atacar uma Ordem — neste caso uma Alta Ordem — com processos inferiores. A Ordem dos Templários tornara-se satanista; era chefe do seu rito satânico o Mestre Externo do Templo, o Adepto Exempto Jacques de Molay. Querendo, com justa razão, atacar o Satanismo da Ordem, a Igreja, ou ignorante dos processos de o fazer, ou já levada por forças mágicas adversas, dissolveu a Ordem dos Templários, e fê-lo por processos materiais; mais, supliciou o Adepto Exempto que era o seu chefe supremo; pior, supliciou-o pelo Fogo. Tão poderosas eram as forças mágicas armazenadas nos Templários que o erro de processo produziu o retorno individuado chamado a Reforma; e o retorno foi tanto mais violento, e tanto mais duradouro, quanto se empregou para exterminar o Grão-Mestre o processo do Fogo, sendo que os iniciados da Ordem o eram do Fogo. Assim o Adepto Exempto, em vez de passar a Mestre do Templo recebeu logo o grau de Mago, apto a pronunciar a palavra do aeon seguinte. E ele pronunciou-a contra a Igreja.
 

Toda a acção contra as ordens, baixas ou altas, tem que ser orientada no nível a que elas pertencem, e pelos processos que competem a esse nível.


Tut-ank-amen… abertura física do túmulo.
Milton, «Comus», o erro mágico.


Fernando Pessoa

sábado, 24 de julho de 2010

Iniciação por Fernando Pessoa

Aquilo a que se chama «iniciação» é de três espécies: Há, primeiro, e no nível ínfimo, a iniciação exotérica, análoga à iniciação maçónica, e de que esta é o tipo mais baixo: é a iniciação dada a quem propriamente se não encaminhou para ela, nem para ela se preparou (porque sugestão de outrem, o impulso externo, e a simples curiosidade não são preparações), e que serve para pôr o indivíduo em condições de poder dar se o caminho esotérico, de poder buscar, pelo contacto, embora esotérico, com símbolos e emblemas, o verdadeiro caminho. O mais exterior e nulo dos sistemas iniciáticos — como o é hoje a maçonaria — serve este fim, logo que tenha conservado os símbolos pelos quais em nós se infiltra o primeiro conhecimento do oculto. O único fim com que os Rosa-Cruz instituíram a maçonaria exotérica é o de pôr muita gente em contacto com, por assim dizer, o aspecto externo da verdade oculta, podendo assim aqueles, que se sintam aptos, ascender a ela lentamente.


Há, depois, a iniciação esotérica. Difere da primeira em que tem que ser buscada pelo discípulo, e por ele desejada e preparada em si mesmo. «Quando o discípulo está pronto», diz o velho lema dos ocultistas, «o mestre está pronto também.»

Há, por fim, a iniciação divina. Esta, não a dão nem exotéricos ou esotéricos menores, como a exotérica, nem até Mestres ou Esotéricos Maiores, como a esotérica; vem directamente, e por cima destes todos, das mesmas mãos, do que chamamos Deus. O tipo supremo desta iniciação é o de Jesus, a quem Deus, de nascença, converteu em sua mesma Essência, tornando-o Cristo.

Iniciado exotérico é, por exemplo, qualquer mação, ou qualquer discípulo menor de uma sociedade teosófica ou antroposófica. Iniciado esotérico é ,por exemplo, um Rosa-Cruz, um Francis Bacon, seja. Iniciado Divino é, por exemplo, um Shakespeare. A este tipo de iniciação vulgarmente se chama génio.

Quando Shakespeare disse, «uns nascem grandes, outros chegam à grandeza, a outros é a grandeza imposta» deu, talvez sem querer e julgando ser simplesmente irónico, a chave das três iniciações, na ordem descendente. Outro sentido não tem a mesma frase do Cristo que diz o mesmo pela «a uns fazem eunucos desde o ventre materno», em que, por uma expressão simbólica que a intuição facilmente compreende, se exprime pelo eunuquismo o afastamento dos outros que caracteriza a iniciação.



Fernando Pessoa

Diferença entre o Espírito e o Corpo - Louis Claude de Saint-Martin




Independentemente das provas numéricas que encontramos nas adições teosóficas de 3 e 4, para nos assegurar que 4 é o número central e 3 um número de circunferência, as leis geométricas nos fornecem provas muito convincentes, para que sejamos capazes de distinguir a nossa origem, da origem da matéria e mostrar a nossa superioridade sobre toda a natureza física, as nossas relações directas com o nosso princípio e a imortalidade do nosso ser, que obteve a vida na própria imortalidade.

Todas estas verdades encontram-se escritas no circuito dividido naturalmente em seis partes. O círculo natural formou-se diferentemente do círculo artificial dos geómetras. O centro atraiu o triângulo superior e o triângulo inferior que reagindo mutuamente manifestaram a vida. É então que o homem quaternário apareceu. Seria de todo impossível encontrar esse quaternário no círculo sem empregar linhas perdidas e supérfluas se nos limitássemos no método dos geómetras. A natureza nada perde; ela coordena todas as partes das suas obras umas pelas outras. Também no círculo regularmente traçado por ela vê-se que os dois triângulos, ao se unirem, determinam a emancipação do homem no universo e o seu lugar em relação ao centro divino; vê-se que a matéria não recebe a vida senão pelos reflexos emanados da oposição que o verdadeiro experimenta em relação ao falso, a luz em relação às trevas, e que a vida desta matéria depende sempre de duas acções; vê-se que o quaternário do homem, engloba as seis regiões do universo e que essas regiões estando ligadas duas a duas, a potência do homem exerce um triplo quaternário na morada da sua glória.

É aqui que se manifestam as leis deste magnífico conhecimento legado a nós pelos chineses; quero dizer o conhecimento do Kéou-Kou. O homem, prevaricando, a exemplo dos primeiros culpados, distanciou-se desse centro divino, em relação ao qual ele tinha sido colocado. Mas, embora tenha ele se distanciado, esse centro permaneceu em seu lugar, pois que nenhuma força pode abalar esse tronco temível: Sedes tua in saeculum saeculi (Salmo XLIV, 7).

Assim que o homem abandonou esse posto glorioso, é a própria Divindade que se encontra prestes a substituir e é quem opera por ele no universo, essa mesma potência da qual ele deixou-se despojar pelo seu crime. Mas, uma vez que ela venha tomar o seu lugar do homem, ela se reveste das mesmas cores relacionadas às regiões materiais onde ele estava primitivamente (a altura do corpo do homem é igual a oito vezes a sua cabeça), uma vez que não pode mostrar-se no centro desse círculo temporal sem se colocar no meio de todas essas regiões. Eis, pois, o que o estudo do círculo natural pode ensinar a quem tem olhos inteligentes. A figura traçada, embora imperfeita (Nota: refere-se à figura presente no livro "Des Nombres), é mais que suficiente para colocar o estudante sobre a senda.



Louis Claude de Saint-Martin

(texto retirado do Boletim da SCA, vol. I, edição II, Maio de 2010)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Sabedoria Divina - Karl von Eckartshausen



"Não tentes estudar a mais elevada de todas as ciências se, de antemão, não resolveste entrar na via da virtude; os incapazes de sentir a verdade não compreenderão minhas palavras. Só os que entram no reino de Deus podem compreender os mistérios divinos e aprender a verdade e sabedoria, na medida da sua capacidade para receber a luz divina da verdade. Aqueles que se guiam unicamente pela luz da inteligência não compreendem os mistérios divinos da natureza; as suas almas não podem ouvir as palavras que a luz pronuncia. Mas aquele que abandona o próprio eu pessoal do conhecer a verdade. A verdade só pode ser conhecida na região do bem absoluto. Tudo que existe é produto da actividade do espírito. É a mais elevada de todas as ciências a que permite ao homem aprender a conhecer o laço de união entre a inteligência espiritual e as formas corpóreas. Entre o espírito e a matéria não existem linhas de separação porque, entre os extremos, se encontram todas as gradações possíveis.

Deus é fogo que irradia puríssima Luz. Esta Luz é vida. As gradações entre a Luz e as Trevas estão para além da compreensão humana. Quanto mais nos aproximamos do centro da Luz tanto maior é a energia que recebemos e tanto mais poder e actividade resultam. É destino do homem elevar-se até ao centro espiritual da Luz. O homem primordial era um filho da Luz. Permanecia em estado de perfeição espiritual bem mais elevada do que no presente; dela desceu a um estado mais material, tomando uma forma corpórea e rude. Para volver à sua primeira condição tem de percorrer o caminho por onde desceu."



A Doutrina Secreta dos Rosacruzes
Karl von Eckartshausen
Edições Alfaómega
Lisboa 1979


Vedes, meu Irmão, este pavimento mosaico; ele é a imagem daquele caos regular a que chamamos (a) Natureza. Nele, em quadrados regulares, iguais e opostos, se personifica, simbolizando-a, a estrutura contraditória do mundo - a noite e o dia, em todos os sentidos; a matéria e a força, em todos os modos; o corpo e a alma, em todas as formas. Isto que pisamos é o que somos; mas o que somos, quando o podemos pisar, não é mais que o que parecemos ser.
(…)
o mal e o bem, em todos os intuitos; o humano e o divino, em todos os métodos [?].


Fernando Pessoa

quarta-feira, 21 de julho de 2010



Senhor, que és o céu e a terra, e que és a vida e a morte! O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também. Onde nada está tu habitas e onde tudo estás — (o teu templo) — eis o teu corpo.

Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.

Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faz com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.

[...]

Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.

Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.

Senhor, protege-me e ampara-me. Dá-me que eu me sinta teu. Senhor, livra-me de mim.



Fernando Pessoa

segunda-feira, 19 de julho de 2010




"Creio no desconhecido que Deus personifica,
Provado pelo próprio ser e pela imensidade,
Ideal sobre-humano da Filosofa,
Perfeita inteligência e suprema bondade."

Eliphas Levi
(Abade Alphonse-Louis Constant)

Maurerische Trauermusik (Música Fúnebre Maçónica) K.477 - W.A. Mozart




Maurerische Trauermusik (Música Fúnebre Maçónica) K.477
Wolfgang Amadeus Mozart
Escrita para os serviços de recordação e celebração da morte dos irmãos maçons Duque George August de Mecklenburg-Strelitz e Conde Franz Veith Edler von Galantha em novembro de 1785, e interpretada na Loja de Tristezas. (fonte: SCA)

domingo, 18 de julho de 2010

Considerações sobre a Alquimia por Fernando Pessoa



"A química oculta, ou alquimia, difere da química vulgar ou normal, apenas quanto à teoria da constituição da matéria; os processos de operação não diferem exteriormente, nem os aparelhos que se empregam. É o sentido, com que os aparelhos se empregam, e com que as operações são feitas, que estabelece a diferença entre a química e a alquimia.

A matéria do mundo físico é constituída de três modos, todos eles simultaneamente reais: só dois desses modos interessam a um nível conceitual diferente, e não é atingível por operações, aparelhos ou processos que sequer se parecem com os que se empregam em qualquer cousa que se chame «química» ou «física» «ocultas» ou não.

A matéria é na verdade, e como crêem o físico e o químico normais, constituída por um sistema de forças em equilíbrio instável, formando corpos dinâmicos a que se pode chamar «átomos» Porque isto é real, e a matéria, considerada fisicamente, é na verdade assim constituída, são possíveis as experiências e os resultados dos homens de ciência, e a matéria é manipulável por meios materiais, por processos apenas físicos ou químicos, e para fins tangíveis e imediatamente reais.

Mas, ao mesmo tempo, os elementos que compõem a matéria têm um outro sentido: existem não só como matéria, mas também como símbolo. Há, por exemplo, um ferro-matéria; há, porém, e ao mesmo tempo, o mesmo ferro, um ferro-símbolo. Cada elemento simboliza determinada linha de força supermaterial e pode, portanto, ser realizada sobre ele uma operação, ou acção, que o atinja e o altere, não só no que elemento, mas também no que símbolo. E, feita essa operação, o efeito produzido excede trancendentalmente o efeito material que fica visível, sensível, mensurável no vaso ou aparelho em que a experiência se realizou.
É esta a operação alquímica.

E isto no seu aspecto externo: porque, na sua realidade intima, é mais alguma cousa do que isto. Como o físico (incluindo no termo o químico também), ao operar materialmente sobre a matéria, visa a transformar a matéria e a dominá-la, para fins materiais; assim o alquímico, ao operar materialmente quanto aos processos mas transcendentemente quanto às operações, sobre a matéria, visa a transformar o que a matéria simboliza, e a dominar o que a matéria simboliza, para fins que não são materiais.

A semelhança, porém, pára aqui. O resultado da experiência física é um produto externo, com que o operador não tem nada, excepto vê-lo, ou ser dono dele, se o é. Mas na experiência alquímica a «força», que o corpo trabalhado simboliza, está em contacto directo com o espírito do operador, e não só do operador, como também de quantos conscientemente o auxiliam (embora sem conhecimento alquímico) na suas experiências. O resultado da experiência, portanto, afecta o operador e os seus «adjuntos» (como se diz) de uma forma diversa e diversamente importante."


Fernando Pessoa 

Tábua Esmeralda - Hermes Trimegisto


Verum sine mendacio, certum et verissimum:
Quod est inferius est sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius, ad perpetranda miracula rei unius.
Et sict omnes res fuerunt ab Uno, mediatione unius, sic omnes res natæ fuerunt ab hac una re, adaptatione.
Pater ejus est Sol, mater ejus Luna;
portavit illud Ventus in ventre suo; nutrix ejus Terra est.
Pater omnes Telesmi totius mundi est hic.
Vis ejus integra est, si versa fuerit in Terram.
Separabis terram ab igne, subtile a spisso, suaviter, cum magno ingenio.
Ascendit a terra in cœlum, interumque descendit in terram et recipit vim superiorum et inferiorum.
Sic habebis gloriam totius mundi.
Ideo fugiet a te omnis obscuritas.
Hic est totius fortitudinis fortitudo fortis: quis vincet omnem rem subtilem omnemque solidam penetrabit.
Sic mundus creatus est.
Hinc erunt adaptationes mirabiles quarum modus est hic.
Itaque vocatus sum Hermes Trismegistus, habens tres partes philosophiæ totius mundi.
Completum est quod dixi de Operatione Solis.

Ordem de Cristo por Fernando Pessoa



A Ordem de Cristo não tem graus, templo, rito, insígnia ou passe. Não precisa reunir, e os seus cavaleiros, para assim lhes chamar, conhecem-se sem saber uns dos outros, falam-se sem o que propriamente se chama linguagem. Quando se é escudeiro dela não se está ainda nela; quando se é mestre dela já se lhe não pertence. Nestas palavras obscuras se conta quanto basta para quem, que o queira ou saiba, entenda o que é a Ordem de Cristo — a mais sublime de todas do mundo.


Não se entra para a Ordem de Cristo por nenhuma iniciação, ou, pelo menos, por nenhuma iniciação que possa ser descrita em palavras. Nãos se entra para ela por querer ou por ser chamado; nisto ela se conforma com a fórmula dos mestres: «Quando o discípulo está pronto, o Mestre está pronto também.» E é na palavra «pronto» que está o sentido vário, conforme as ordens e as regras.


Fiel à sua obediência — se assim se pode chamar onde não há obedecer — à Fraternidade de quem é filha e mãe, há nela a perfeita regra de Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Os seus cavaleiros—chamemos-lhes sempre assim — não dependem de ninguém, não obedecem a ninguém, não precisam de ninguém, nem da Fraternidade de que dependem, a quem obedecem e de que precisam. Os seus cavaleiros são entre si perfeitamente iguais naquilo que os torna cavaleiros; acabou entre eles toda a diferença que há em todas as coisas do mundo. Os seus cavaleiros são ligados uns aos outros pelo simples laço de serem tais, e assim são irmãos, não sócios nem associados. São irmãos, digamos assim, porque nasceram tais. Na ordem de Cristo não há juramento nem obrigação.


Ela, sendo assim tão semelhante à Fraternidade em que respira, porque, segundo a Regra, «o que está em baixo é como o que está em cima», não é contudo aquela Fraternidade: é ainda uma ordem, embora uma Ordem Fraterna, ao passo que a Fraternidade não é uma ordem.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Pequena História da Maçonaria - C.W. Leadbeater




Pequena História da Maçonaria
C.W. Leadbeater
Editora Pensamento, São Paulo, Brasil


P - Quem chega, Mestre do Átrio?
R - Um neófito, Mestre do Claustro.
P - Como vem?
R - Vem cego, nu e pobre.
P - Que quer?
R - A luz, o calor e a vida.
P - Se é cego, como poderá ver-nos?
R - Verei eu por ele, Mestre do Claustro, até que ele veja a luz.
P - Se é nu, como poderá estar connosco?
R - Estarei eu por ele, Mestre do Claustro, até que ele tenha calor.
P - Se é pobre, como poderá pagar-nos?
R - Pagarei eu por ele, Mestre do Claustro, até que ele tenha vida.
P - Como vereis vós por ele, Mestre do Átrio?
R - Vendo e amando-o.
P - Como vestireis vós por ele, M[estre] do Átrio?
R - Vestindo (...)
P - Como pagareis vós por ele, M[estre] do Átrio?
R - Falando eu.


Fernando Pessoa

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Doutrina Rosacruciana por Fernando Pessoa




A doutrina rosacruciana afirma uma dualidade activa de Deus - a sua emissão ou emanação, que é a Força, e a sua retirada (retrait) ou imanação, que é a Matéria. A primeira parte do acto divino, a acção, está neste nosso mundo final representada pelo Homem; a segunda, ou desacção, pela Mulher. Os próprios órgãos sexuaes de um e de outro indicam, por assim dizer, graficamente, esse íntimo sentido. Primitivamente, Homem e Mulher eram um só, na perfeita imagem e semelhança de Deus que, ainda in posse como criador, continha em si as duas naturezas, pois, se as não contivesse, as não poderia desenvolver in acto. «Retirada» a mulher do homem, à imagem e semelhança da «retirada» de Deus do mundo, seguiu-se este mundo que temos, à imagem e semelhança da dualidade activa de Deus.
 
Para que o adepto possa realizar em si, pois tal é o seu mister, a dualidade activa de Deus, é preciso, primeiro, que seja homem, pois a emissão é a primeira condição activa de Deus. É preciso, porém, que em seguida se torne mulher, o que só pode fazer «retirando-se» de ser homem, tornando passivo o que nele se destinara a ser activo. De aí a exigência rosacruciana, não da simples castidade, que é uma «retirada» temporaria ou condicional, e portanto relativa, mas da virgindade, que é a «retirada» absoluta, idêntica, pois, enquanto absoluta, à «retirada» divina.
 
(Acresce, vindo ao mundo físico, que a castidade masculina, sendo completa, como deve ser, compele o sémen formado a recolher, a ser reintegrado pelo corpo, entrando para o sangue. E d'este modo o indivíduo, por assim dizer, se fecunda a si mesmo, sendo, interiormente, a sua própria mulher. Isto é, porém, o simples reflexo no mundo físico…)

A Força, emissão de Deus, ou Deus emisso, é representada pelo símbolo fálico, ou seja uma vertical: |.
A Matéria, imissão de Deus, é representada pelo sinal contrário, uma horizontal: —. A conjugação das duas, que é Deus na sua manifestação mundana total, é pois, ou a chamada cruz cósmica, +, em por serem iguais as linhas, os quatro braços são iguais; ou o chamado Tau, Â, em que as duas linhas devem ser iguais também. A primeira representa o mundo físico na sua generalidade, a segunda o mundo físico na sua particularidade humana, isto é, sexual -não a união, mas a junção, das duas naturezas.

As duas linhas, de qualquer dos dois modos unidas, representam, porém, a natureza abstracta do mundo e da humanidade - a Força e a Matéria, o Homem e a Mulher, em sua simples existência e potencialidade. A sua união ou junção activa e fecunda não está ali figurada. Para isso adopta-se um segundo símbolo de Mulher, um símbolo «aberto», cuja razão de ser não carece de explicação. Esse símbolo é o disco ou círculo: O.
De aqui partem novos símbolos. O primeiro, indicando a fecundação abstracta e absoluta, é o disco ou círculo com um ponto no meio, ou seja a indicação visível do «centro», ou razão de ser, do círculo: ¤. É este, simultaneamente, um símbolo fálico, sendo o falo erecto visto de frente. Por essas duas razões se representa o Sol por este símbolo; o Sol é, ao mesmo tempo, o Espaço fecundado, feito vida, o corpo, ou a matéria ou «mulher» de Deus, e o Fecundador, ou «homem» da Terra.

Quando se quer representar a Natureza em sua fecundidade, inscreve-se o sinal total do Mundo dentro do círculo, formando o símbolo e, com que naturalmente se designa a Terra. É a fecundidade unindo, cercando, guardando os dois princípios. E quando se quer representar distintivamente a união fecunda dos princópios masculino e feminino, o círculo sobrepõe-se ao Tau, formando o símbolo t , sinal muito usado dos egípcios, cuja Trindade é uma trindade de fecundidade, visto que a formam Pai (Osiris), Mãe (Isis) e Filho (Horus). Neste Tau coroado está todo o mistério da geração dos seres.

Até aqui temos estado no âmbito, ou na região, do que podemos chamar a Natureza e a religião natural - a manifestação mundana de Deus. Desde que porém, lembrados por intuição, ou informados por iniciação, da sua origem divina e dos modos de essa origem, entre os homens surja o desejo de regressar a Deus e com ele se […], os homens tendem para Deus como Deus tendeu para o Mundo (que a mesma tendência criou), mas tendem em sentido inverso pois que o caminho e sentido do regresso é o da («retirada» ou imissão de Deus, e não o da sua emissão. Seremos deveras semelhantes a Deus, mas com pólos inversos, pois reproduzimos em nós masculinamente a parte feminina de Deus. O nosso caminho masculino será o caminho feminino de Deus. Intensificaremos o elemento masculino da vida, mas em sentido inverso, anti-fálico. E, como a linha fálica, ou masculina, |, se entende, por uma razão evidente, feita de baixo e para cima - e não como, ao escrever, por conveniência a traçamos -, construiremos o símbolo místico, anti-natural, prolongando para baixo a linha masculina, e fa-lo-emos, pelo mesmo motivo de anti-naturalidade, outro tanto quanto tinha para baixo, igual nisso a qualquer dos outros três braços da cruz cósmica. O símbolo místico ficará: Â , que é o que vulgarmente se chama a Cruz Cristã ou Cruz do Calvário. Esta Cruz significa, pois, o mundo em divi-nização, ou o caminho de Deus, ou seja a Redenção.
 
Se agora quisermos integrar na cruz mística, para que nada nela falte, o segundo símbolo feminino, o círculo, não o poderemos colocar senão ao centro da Cruz, como se nela estivesse crucificado; pois a Cruz mística nem é de braços iguais, para que o círculo se lhe possa circunscrever, nem é fechada em cima, como o Tau, para que se lhe possa sobrepor. O segundo símbolo místico será pois: Å. Da simples colocação do círculo resulta que dentro dele ficou uma cruz cósmica, de quatro braços iguais. Quer isto dizer, ao mesmo tempo, que o círculo fica «partido» e que a Terra fica «crucificada». Quer isto dizer que o caminho místico envolve a «quebra» de quanto em nós é tendencialmente «fecundo», e a «crucifixão» de quanto em nós o é realmente. O que em nós é tendencialmente fecundo é a nossa natureza sexual, que pode ser quebrada, isto é, inteiramente repudiada. O que em nós é realmente fecundo é a nossa natureza carnal - a que envolve a necessidade de comer, de dormir, e de outras coisas, da Carne (naturais), do Mundo (sociais), ou do Diabo (artificiais), que não podemos inteiramente repudiar, mas somente limitar. Assim o místico, em sua via divina, repudia, «quebra», a sua sexualidade; comprime, faz sofrer, «crucifica», a sua carnalidade. Por isso os votos místicos fundamentais são os de castidade e c natureza carnal - a que, como alguns, com melhor precisão, têm por hábito dizer. O chamado «terceiro voto», o de obediência, é puramente acidental, existindo só quando o místico está integrado numa Ordem qualquer, e só relativamente a essa Ordem. Não existe, nem poderia existir, para aqueles místicos e adeptos cuja iniciação lhes vem directamente dos Mestres.
 
Está claro que é este o símbolo na sua aplicação ao místico individual. No seu entendimento universal, indica, como é de ver, uma maior amplitude da ideia de Redenção, uma mais perfeita simbolização do Cristo. O que no homem é a sua natureza sexual e carnal é no Cristo a vida, sua natural «mulher», que Ele «quebra» ou repudia, elegendo a Morte como verdadeira Vida; e a Natureza, seu natural «corpo», que ele «crucifica» ou faz sofrer, elegendo a dor por sua natureza verdadeira. Quando o místico atinge o nível de repudiar em si o desejo à vida, de fazer sofrer em si tudo quanto o liga à Natureza, quando tanto o amor como a beleza para ele e nele morreram, identifica-se com Cristo, ascende ao que se chama a União com Cristo - termo da iniciação, começo da vida divina, o que se chama em certa linguagem o Grau de Mestre do Templo.

O círculo está «quebrado», e quebrado em cinco elementos, que são as quatro linhas e o centro, seu ponto de encontro ou confluência - os quatro elementos e a Alma; as quatro letras do nome divino e o Shin, letra do Espírito; os quatro lados do quadrado da perfeição e a Diagonal que os nega. Por isso se achou melhor figurar estes cinco elementos do ser quebrado por qualquer símbolo que distintivamente os apresentasse e os revelasse cinco com mais clareza que a contagem, necessariamente abstrusa e aparentemente forçada, das quatro linhas e do centro em que confluem. E assim, e para tal efeito, se figurou o círculo crucificado como tendo a forma de cinco semicírculos de um círculo de metade do original, assim: P .

O sinal da Terra está «crucificado» - da Terra, que é a cor e a beleza, e que com seus próprios elementos se crucificou, pois os braços da Cruz do Calvário são extensões dos da Cruz Cósmica que está contida no símbolo da Terra. E assim se veio a conceber esse símbolo de cinco elementos, ou pétalas, como sendo a Rosa, por ser esta flor o sinal externo da Beleza, e ainda o do Silêncio que está no centro da Beleza, e por ser a flor que contém em si os elementos do martírio ou sofrimento, que são os espinhos - elemento que não há em nenhuma outra flor das que possam simbolizar a Beleza. E por isso Àquele que foi a Rosa Crucificada, e em Si crucificou a Rosa, se impôs, em seu martírio, uma Coroa de Espinhos. E por isto se entende que esse elemento de cinco partes, que está crucificado e quebrado, é uma Rosa; e o símbolo cristão completo e final é o símbolo da Rosa-Cruz.


Fernando Pessoa
"O conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã."
 Leonardo da Vinci

P - Em que crês?
R - Sou cego.
P - Quem és?
R - Sou nu.
P - O que tens?
R - Só a mim.
P - Queres ser recebido nesta ordem para nela teres a luz?
R - Quero, se m’a mostrarem.
P - Q[ueres ser recebido nesta ordem] para dela teres a veste?
R - Quero, se m'a vestirem.
P -[Queres ser recebido nesta ordem] para nela teres guarida?
R - Quero, se ela me for dada.

P - Companheiros do Átrio, o neófito é cego, nu e pobre.

R1 - Dê-se-lhe a luz, porque sabe que é cego.
R2 - Dê-se-lhe a veste, pois que sabe que é nu.
R3 - Dê-se-lhe guarida, pois que sabe que é pobre.
R4 - Dê-se-[lhe] tudo porque sabe que é nada.
P - Porque disseste que eras cego, se não eras cego?
R - Sou cego para depois ver.
P - Porque pensaste que eras nu, senão estás nu?
R - Porque estou nu para ser vestido.
P - Porque disseste que eras pobre (...)
 

(Mão sobre o coração)


Juro pela minha alma e vida e por tudo quanto, embora eu o não saiba, contenham ou possam vir a conter, que não desvendarei nenhum segredo d'esta ordem, e que o não farei por palavra dita ou palavra escrita, por palavra directa ou translata, nem o dizendo, nem o indicando, nem o fazendo presumir.


Fernando Pessoa

terça-feira, 13 de julho de 2010

Iniciação



P - De onde vens?
R - Não sei.
P - Onde vais?
R - Não me disseram (sei).
P - O que sabes?
R - O que esperei (Nada).
P - Que vês?
R - Sou cego.
P - Que vestes?
R - Estou nu.
P - Que tens?
R - Só a mim.
P - O que queres?
R - Ver a luz.
P - Que luz?
R - A que houver.
P - Qual é a que houver?
R - A que me for dada.
P - Se te a derem, como a verás?
R - Com meus olhos.
P - Se te a não derem, como a verás?
R - Com o meu coração.
P - Se te a nem derem nem não derem, como a verás?
R - Comigo [?]
P - Que tens ao pescoço?
R - O passado.
P - Que sentes sobre o peito?
R - O futuro.
P - Que tens que te a teus pés olha?
R - O presente.
P - Que sentes?
R - A treva, o frio, e o perigo.
P - Como os vencerás?
R - À treva pelo dia, ao frio pelo sol, ao perigo pela vida.
P - E como obterás o dia e o sol e a vida?
R - Não ficando cego, nem nu nem eu aqui sozinho.
P - Quem te criou?
R - Não sei.
P - Porque o não sabes?
R - Porque nasci.
P - Queres sabê-lo?
R - Sim, porque morrerei.
[Mestre do Átrio] - Basta que me digas sim.
O N[eófito] - Sim.
M[estre do] Á[trio] - A paz seja contigo.
Os nn. retomam as espadas. O SL toma na mão direita a esquerda do Neófito e […]
- Tenho [?].


 Fernando Pessoa