quarta-feira, 4 de agosto de 2010

"O Mundo Secreto" por Rémi Boyer





A Sociedade Secreta constitui um fenómeno universal. Presente desde a Antiguidade, manifestando-se em todos os domínios da vida, quer seja a esfera política, a esfera económica, a esfera militar, científica, religiosa, artística, notadamente literária, ou nesta que nos concerne a esfera da Tradição e do Ocultismo. No domínio político, por exemplo, muitos dos movimentos políticos internacionais são nascidos nas ante-salas onde alguns obscuros desconhecidos se reúnem para mudar o Mundo. No domínio artístico, certos Círculos surrealistas funcionaram como Sociedades Secretas.

A Sociedade Secreta empresta formas múltiplas, mais ou menos adaptadas aos tempos e aos espaços em que estão inseridas. Das crianças aos velhos, todos os elementos de nossa sociedade fizeram, ou ainda farão uso de uma Sociedade Secreta.

A Sociedade Secreta constitui o vetor habitual de manifestação do mundo do Ocultismo, da Tradição, da Iniciação. Este mundo se interpenetra com todos os registos de expressões da natureza humana. O sublime costeia o medíocre, o vulgar costeia a beleza, o horror, a verdade, a mentira, o conhecimento, em um paradoxo vivo que permite a emergência do Ser.

O Divino eleva-se mesmo no meio do vício. A fascinação do humano pelo secreto, sua tendência natural à auto-alucinação e ao maravilhoso recobriram a noção de Sociedade Secreta (SS) de um verniz de superstição e de crenças que tornam sua compreensão difícil. Nossa época moderna, pela multiplicidade de SS de pretensão Iniciática, cujo exame demonstra não serem, nem secretas, nem Iniciáticas, gerou uma confusão sem precedentes sobre o cenário já obscuro do Ocultismo e atraiu a atenção, entre outros de pesquisadores tradicionais ou universitários, do grande público e dos jornalistas, como dos serviços governamentais da maior parte dos Estados.

Tentaremos aqui fornecer alguns elementos de discriminação às numerosas pessoas que se interessam pelo Ocultismo, Tradições, ou mais frequentemente pelas SS, a fim de colocarem-se em condição de passar da confusão ao discernimento. A confusão permanecerá malgrado tudo, no geral e no particular, neste domínio, porque sem dúvida é ela indispensável para dissimular algumas SS de características verdadeiramente Iniciática e desqualificar a massa dos curiosos ou dos desequilibrados que são atraídos por este tema. Citemos Lança del Vasto que descreveu perfeitamente a situação no prefácio do livro de Louis Cattiaux: Le Message Retrouvé (A Mensagem reencontrada):

“A conjuração dos imbecis, dos charlatões, e dos Sábios foi perfeitamente bem sucedida. Esta conjuração teria como objectivo esconder a verdade. Uns e outros serviram a esta grande causa, cada um segundo seus meios; os imbecis por meio da ignorância, os charlatões por meio da mentira, os Sábios por meio do segredo”.

Nossa intenção é de fornecer àquele que procura, não a felicidade, mas a libertação, o despertar, alguns índices suficientes para detectar as pistas autênticas como as vias sem procedência, e tirar proveito dos erros que não deixará de cometer, como todos os questionadores autênticos fizeram antes dele.


Ensaio de definição da Sociedade Secreta

Não será possível fornecer uma definição precisa e satisfatória de Sociedade Secreta. Diremos simplesmente que a Sociedade Secreta, no domínio Tradicional, se caracteriza, não pelo segredo, não pelo carácter fechado ou clandestino, mas pelo Rito. Entendemos por Rito, a existência de um Corpo doutrinal e de uma praxe Iniciática. Esta não implica necessariamente de práticas rituais como temos, por exemplo, nas sociedades Maçónicas, Cavalheirescas, Rosacrucianas.

Conhecidas, sobretudo pela presença de uma técnica do Despertar, de Libertação, precisa e verificável, veiculada no geral por um Corpus doutrinal exprimido em um modelo de mundo particular no centro de origem da Sociedade (Hermetismo, Martinismo, Budismo, Shivaísmo).

Semelhante definição restritiva, mas consoante com a Tradição, eliminaria a quase totalidade das auto-denominadas Sociedades Secretas desconhecidas, por sinal, muito conhecidas.

Examinaremos, portanto, o conjunto destas que são geralmente recobertas pela expressão Sociedades Secretas, a saber, toda organização que se apresenta como Espiritual, Esotérica, Ocultista, Tradicional, Iniciática, ou toda outra qualificação análoga.


Iniciação e Sociedades Secretas

Todas as Sociedades Secretas tradicionais se pretendem Iniciáticas. Bem poucas as são, a maior parte entre elas assumem outras funções que não a Iniciática, funções que apresentaremos posteriormente. A noção geral de Iniciação envolve de fato vários níveis de lógicas, onde algumas não tratam de Iniciação em seu sentido esotérico. Neste último sentido, a Iniciação é uma questão técnica. Trata-se da conquista de estados de seres não-humanos, ou mais que humanos, activando de fato e em realidades estes centros, chamados Estrelas em certas Escolas, Rodas em outras, e mais frequentemente de Chakras, antes de proceder a uma série de separações (do Corpo Saturnino do Corpo Lunar, depois do Corpo Mercurial, até o Corpo Solar segundo o Hermetismo) para a constituição final do Corpo de Glória (ou Corpo Crístico ou Corpo Arco do Céu, etc.), actividade colocada em obra e desenvolvida por técnicas precisas, frequentemente perigosas, de Chamada de Si, de Alta Magia, de Alquimia interna, técnicas de acesso ao Ser ou Absoluto.

Aqui, a definição, ainda conforme a Tradição é restritiva. Rejeitaremos a conhecida crença segundo a qual a “vida é Iniciação”. Isto é sem dúvida verdade, mas necessitaria tratar-se de uma vida totalmente consciente e unificada. Sobretudo, este é um dos argumentos colocados antes por aqueles, muito numerosos, que inventam todo logro nos auto-denominados sistemas Iniciáticos com Cadeias sucessórias remontando à Antiguidade. Em um sentido mais largo e, entretanto, mais aceitável, Iniciação é a Ciência da mudança.

A verdadeira mudança, isto é, a passagem de um nível lógico a um nível imediatamente superior comporta uma mutação, um salto, uma descontinuidade ou transformação, do mais alto interesse teórico, e da mais alta importância prática, porque permite deixar um mundo reconhecido como sombra, para entrar em um outro, mais “real”, mesmo que ele não seja a “Realidade”.

Os níveis lógicos devem ser reconhecidos e rigorosamente separados se desejamos evitar a confusão e usar do paradoxo para mais tempo de compreensão. Heráclito já havia ressaltado a estranha interdependência dos contrários que chamava de enantiodromia.

Quanto mais uma posição é extrema, mas é provável uma enantiodromia, uma conversão em seu contrário. A história das Sociedades Secretas é rica em comportamentos enantiodrômicos. De fato, na ausência da técnica real de iniciação, o indivíduo fica na impossibilidade de se elevar ao nível lógico (ou alógico) superior, passa a oposição de sua posição inicial. Ocorre que passar de um sistema ao seu oposto não é uma mudança.

Isto ilustra, teoricamente, o mito ocidental segundo a qual, o iniciado deve se colocar para além das duas colunas opostas, situadas na entrada do santuário. Resulta disto que o iniciado que deve passar de um mundo “A” a um mundo “B”, imediatamente superior, somente saberia encontrar aquilo que produz a passagem no mundo “A” ele mesmo, daí a necessidade de uma ingerência do sistema “B” no sistema “A”. Motivo, igualmente, da importância do discernimento, na verdade da sagacidade, no candidato à Iniciação.

Esta noção de ingerência se exprime perfeitamente nas estruturas piramidais das SS, e na articulação natural que existe entre os três grandes tipos funcionais de SS.


Tipologia funcional das SS

As SS assumem três funções particulares nitidamente distintas, mas complementares: exotérica (ou exo-esotérica segundo alguns autores), mesotérica e esotérica.


Sociedades do tipo 1: função exo-esotérica

Esta função é primeiramente de natureza terapêutica. Consiste em restabelecer no indivíduo o alinhamento, a congruência, entre o corpo, a emoção e o pensamento. Trata-se de reconciliar o indivíduo com ele mesmo e seu meio ambiente. Esta função implica igualmente um componente cultural não negligenciável, o indivíduo é convidado a estudar, a meditar, e se possível a integrar, um modelo de mundo, qualificado de espiritual, que permita encontrar uma resposta satisfatória para o mental, tranquilizadora para o coração, dos grandes problemas que a vida não cessa de lhe impor. Esta função, importante para o indivíduo beneficiado, é igualmente reguladora do plano social. Ao ajudar o indivíduo a encontrar um equilíbrio no mundo como ele é, as SS deste tipo favorecem a estabilização e a lenta evolução dos sistemas políticos, económicos e sociais dominantes. A totalidade das SS exteriores, mas pode-se falar ainda de SS, assumem esta função exo-esotérica.


Sociedades do tipo 2: função mesotérica

Estas Sociedades, menos numerosas e mais restritivas, já constituem verdadeiras Escolas tradicionais. Elas se esforçam de fato em fornecer aos seus alunos as qualificações de base indispensáveis para pretender abordar uma via Real. Estas qualificações podem variar segundo as Correntes tradicionais, assim sobre a Corrente Rosacruciana, o conhecimento e a mestria do Trium Hermeticum será exigido, a saber, a Alquimia, a Astrologia e a Magia, segundo o eixo da Cabala (das organizações espiritualistas, como a A.M.O.R.C., não abordam a questão fundamental da Alquimia Operativa, nem nenhuma das outras Ciências de Hermes, e não pode de modo algum se pretender Rosacrucianas).

Duas correntes vão caracterizar esta função e se encontram invariáveis em todas as organizações deste tipo.

A experimentação do Universo como “resposta” por uma vontade comandante. Obter resposta do Universo é de efeito, se esta não é a definição, do Mago, deste que tendo vontade, faz responder o Universo (1).

A busca do estado objectivo. A fim de ilustrar o que entendemos por estado objectivo ou despertar, citaremos aqui um extracto da notável obra de Ouspensky, Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido (Pensamento, S. P., 1985, págs. 166-167).

“O terceiro estado de consciência é a lembrança de si mesmo ou consciência de si mesmo, consciência de seu próprio ser”. Admite-se habitualmente que possuímos esse estado de consciência ou que podemos tê-lo à vontade. Nossa ciência e nossa filosofia não viram que não possuímos esse estado de consciência e que o nosso simples desejo é incapaz de criá-lo em nós mesmos, por mais clara que seja nossa decisão.

O quarto estado de consciência é a consciência objectiva, nesse estado, o homem pode ver as coisas como são. Às vezes, em seus estados inferiores de consciência, pode ter vislumbre dessa consciência superior. As religiões de todos os povos contêm testemunhos da possibilidade de tal estado de consciência, que qualificam de “iluminação” ou de diversos outros nomes e que dizem ser indescritível. Mas o único caminho correto em direcção a consciência objectiva passa pelo desenvolvimento da consciência de si.

Um homem comum, artificialmente levado a um estado de consciência objectiva e trazido depois ao seu estado habitual, não se lembrará de nada e pensara, simplesmente, que perdeu os sentidos durante certo tempo. No estado de consciência de si, porém, o homem pode ter vislumbres de consciência objectiva e deles guardar a lembrança.

O quarto estado de consciência representa um estado completamente diferente do anterior; é o resultado de um crescimento interior e de um longo e difícil trabalho sobre si. No entanto, o terceiro estado de consciência constitui o direito natural do homem tal como é, e, se o homem não o possui, é unicamente porque suas condições de vida são anormais. Sem exagero, pode-se dizer que, na época actual, o terceiro estado de consciência só aparece no homem por muitos breves e muitos raros lampejos e que é impossível torná-lo mais ou menos permanente, sem um treinamento especial.

Para a grande maioria das pessoas, mesmo cultas e intelectuais, o principal obstáculo, no caminho da aquisição da consciência de si, é acreditar que a possuem.

Esta referência a um estado de ser central, a um eixo do mundo, a um Reino do Centro é comum a todas as tradições, sua importância é considerável.

Assim o Mestre Maçon é recebido na Câmara do Meio, referência a um Reino do Centro, acessível a aquele que pode cessar de pensar o universo pelo jogo das múltiplas representações, para perceber o Universo, deixar o mundo dissolvendo do ter e do fazer para o do ser.

O processo da Chamada de Si provoca uma destruição das identificações e das cristalizações mentais, consequentemente as crenças que subtendem a personalidade profana, a Persona, a máscara, vão ser destruídas ao curso desta busca do ser.

Poucos estão prontos para perder a imagem que fazem deles mesmos e do mundo, produtos de seus condicionamentos múltiplos, fonte de seus sofrimentos, mas também de alguns efémeros prazeres.

Veremos, portanto, que poucas organizações assumem esta função e convidam seus membros a deslancharem este processo.


Sociedades do tipo 3: função esotérica

Provavelmente, o qualificativo de Iniciático somente se aplique a este terceiro tipo de SS. Estas sociedades, normalmente Colegiadas, são concebidas como verdadeiros laboratórios de pesquisas. Conduzindo seus adeptos às fases terminais das Vias Reais, Vias do Despertar, Via do Corpo de Glória, Via da Pedra ao Vermelho, Via Essencial, Via Estrema, são numerosas as nomeações para designar esta fase onde o indivíduo liberto de tudo isto que é humano, liberto mesmo da libertação, acede realmente à imortalidade consciente e se torna um Deus, em relação ao seu antigo estado humano.

Tendo este estado, é quase deslocado falar de organizações, ou de Sociedades, criações humanas, os termos de Regra, de Ordem no sentido sacerdotal do termo (2) serão mais adequados.

A relação entre o instrutor e o aluno, ou o discípulo (aquele que aplica a Disciplina), constitui a base destas Sociedades muito fechadas, cujos nomes são raramente pronunciados, e permanecem desconhecidos, mesmo dos historiadores do Esoterismo. Em certos casos, menos raros que podemos pensar, as Regras, Veículos das Vias Secretas, são preservadas nas tradições familiares, frequentemente famílias aristocratas ou religiosas, mas não necessariamente e cada vez menos. A família concebida como Escola iniciática é de fato um conceito muito tradicional.

Assim o mestre indiano Krishnamacharya, depositário de uma filiação Pitagórica indiana, desenvolveu todo um ensinamento visando fazer da família uma Escola esotérica. Na Itália, famílias aristocráticas de Veneza ou de Florença seriam depositárias de um Segredo iniciático. Villiers de l’Isle Adam fala explicitamente deste assunto em seu romance Clef Isis (Chave de Ísis).

Hoje mesmo, é somente nos círculos restritos das famílias, às vezes alargados a alguns amigos próximos, que, por razões técnicas, certas operações secretas podem ser praticadas (Via d’Erim, Via de Afrodite Vermelha, Via Shivaísta do Deus Azul, Tradição Rosa+Cruz Lascari, por exemplo) exactamente como no passado ou Antiguidade era o caso das famílias de Kham ou das famílias faraónicas.


Tipologia estrutural das Sociedades Secretas

Os três tipos de SS correspondem normalmente a três tipos de estruturas.

Estruturas externas, facilmente acessíveis, fazendo frequentemente propaganda nas ruas, tornam-se às vezes uma Potência financeira admirável.

Estruturas semi-internas, chamadas às vezes também de Sociedades de quadros, muito discretas, mas não menos presentes, conhecidas de especialistas.

Estruturas internas, inacessíveis, muito flexíveis, por serem Organismos vivos antes de organizações.

As relações entre estas estruturas são ricas, com modelos variados e às vezes contraditórios, e foram brilhantemente expostas em um estudo publicado na obra de Michel Monereau, Magie et Sociétés Secrètes, estudo o qual reportamos o leitor.


As oscilações do cenário Maçónico e Ocultista

Existe, e constatamos, uma articulação natural entre as funções exotérica (ou exo-esotérica), mesotérica e esotérica. Esta articulação não se manifesta nulamente sobre o cenário Tradicional, Maçónico e Ocultista, nas relações entre as SS de tipo 1, 2 ou 3.

Uma das tentações das Sociedades exotéricas, que naturalmente recrutam largamente, em uma lógica quantitativa, reside na sua pretensão para assumir a função Iniciática. Ora, há uma contradição aguda entre o Iniciático e o hedonismo pessoal pregado por estas Sociedades, e entre o número de seus aderentes e as exigências do procedimento Iniciático.

A conquista da felicidade situa-se nas antípodas da Questão Iniciática. Seria perigoso para o pesquisador acreditar que as SS deste tipo oferecem as Vias de Libertação. Úteis, como vimos, por sua característica terapêutica, transformam-se na via do adormecimento a partir do momento que pretendem uma função para qual não estão habilitadas a desempenharem.

Mais ainda, ao tomar emprestados abusivamente os nomes das Ordens Iniciáticas semi-internas e internas, obrigaram estas últimas a ocultarem-se cada vez mais, escapando às vezes por pouco do desaparecimento. Esta é a razão, de todos estes desvios, que cada um pode seguramente reconhecer, das constantes denúncias feitas por personagens tão diversas quanto Émile Dantinne, Jean Mallinger (que combateu a A.M.O.R.C.), Giuliano Kremmerz, Louis Cattiaux e outros autores Hermetistas de valor.

A articulação natural entre as funções requer que as Sociedades do tipo 1, exotéricas e externas, venham a confiar seus elementos mais promissores às Sociedades do tipo 2. Aqueles que atravessarem as dificuldades inerentes à uma autêntica preparação poderão então abordar as Vias Reais sob a condução de instrutores qualificados em uma Sociedade do tipo 3.

Este esquema ideal parece raramente ter funcionado, malgrado os esforços reiterados das Ordens Iniciáticas, de características verdadeiramente esotérica, para suscitar a emergência de organizações sérias, assumindo conscientemente o trabalho pré-Iniciático.

A articulação entre as funções somente aplica-se mais ordinariamente hoje aos incondicionais que, remexendo estruturas e ideias recebidas, adoptam a atitude heróica (3), e forçam a natureza a lhes abrir as Chaves da Via, pois nenhum humano, nenhuma Sociedade, parece poder ajudá-los. Mas poderia ser de outra forma no Kali-Yuga?


O caso da Franco-Maçonaria

A Franco-Maçonaria oferece múltiplos casos de figuras, diferentes umas das outras. Em primeiro lugar, as Obediências Maçónicas constituem frequentemente as organizações externas mais estáveis e as mais úteis. Ignorando constantemente a existência e a função das Ordens mais internas e de características mais Hermetistas, não sendo mais que suas antecâmaras.

No seio da Franco-Maçonaria, os Ritos Egípcios possuem um lugar à parte. Durante longo tempo, os Ritos Egípcios funcionaram exclusivamente como sistema de altos graus. Hoje, a Ordem de Memphis-Mizraïm, tornou-se uma grande Obediência Maçónica, como o Grande Santuário Adriático do Rito de Mizraïm e Memphis, que continua bem confidencial, embora abrindo Lojas Azuis.

As Ordens semi-internas, como a Ordem Martinista, a O::H::T::M:: (Ordem Hermetista Tetramagista e Mágica ou Ordem Pitagórica), e algumas outras, foram consideradas, às vezes concebidas, como devendo aperfeiçoar a Franco-Maçonaria, ou ao menos absorver os melhores elementos a fim de dirigi-los para às estruturas mais internas, susceptíveis de qualificá-los para às Altas Ciências.

Em todo caso, A Franco-Maçonaria constitui ainda uma Escola preparatória para as Correntes mais Herméticas, tanto na Europa continental quanto nos países anglo-saxões (a S.R.I.A., Sociedade Rosacruciana in Anglia recruta, por exemplo, na Maçonaria) ou na América do Sul (caso das organizações da ex-F.U.D.O.F.S.I., sempre presente no continente sul-americano).

Entretanto, se o desprezo pela Franco-Maçonaria demonstrado por personagens como Jean Mallinger é ainda partilhado por alguns, a maioria dos membros dos Colégios semi-internos e internos conservaram um profundo respeito pela Maçonaria, inclusive pelos graus Azuis (4).

Muitos acreditam que ao manifestarem todo o valor simbólico e operativo de cada grau, a Franco-Maçonaria constitui-se somente em “uma simples escola primária de iniciação”. Algures, muito discreto e pouco conhecido, as Lojas, Capítulos e outros Aéropagos reunindo estudiosos sinceros e especialistas do Hermetismo são menos raros que a crença geral, e isto na maior parte dos Ritos, na maior parte das Obediências, e frequentemente, onde menos os esperamos.

O Rito Escocês Rectificado é igualmente um Rito particular, funcionando às vezes como uma Ordem semi-interna conduzindo à uma operatividade secreta (a da Ordem dos Elus-Cohen). Assim já vimos certas Lojas do R.E.R. recrutarem nas Ordens Martinistas.

Na quase totalidade das Ordens semi-interna, o Mestrado Maçónico é exigido, o que demonstra a importância desta para a compreensão dos diversos Corpus que propõem estas organizações.


Algumas experiências bem sucedidas

Existem ainda alguns exemplos de colaborações com êxito entre as organizações externas, semi-internas e internas. O caso mais conhecido é do sistema colocado em prática por Robert Ambelain, e largamente desenvolvido por Gérard Kloppel, seu sucessor.

A Ordem de Memphis-Mizraïm tornou-se hoje uma organização Maçónica importante, membro do C.L.I.P.S.A.S., onde certos membros podem ser convidados a participar da Ordem Martinista Iniciática.

Encontramos também no sistema de Ambelain, uma Ordem dos Elus-Cohen, e uma estrutura terminal reunindo várias filiações, incluindo a da Rosa+Cruz do Oriente. O conjunto continua funcionando bem graças a uma forte centralização, e esta, malgrado os problemas inerentes à estrutura Maçónica, é muito importante para manter-se como um componente estritamente Tradicional, outras “entradas” são constatadas.

Assinalamos que a Tradição Ambelain é manifestada igualmente por outros Colégios internos que reúnem um conjunto de afiliações, Reais ou de Desejos, mas desenvolvidas segundo uma concepção diferente e muita reservada, às vezes como complemento a outras filiações Hermetistas.

A Sociedade Rosacruciana in Anglia constitui a SS da Grande Loja Unida da Inglaterra. Na França, é naturalmente na G.N.L.F. que esta Sociedade rosacruciana recruta. Parece, entretanto, que existem algumas excepções, os membros da S.R.I.A. se desinteressam actualmente do Hermetismo.

Um dos casos mais interessantes reside na tentativa feita no início do século passado por certos adeptos da Ordem de Osíris. A Ordem de Osíris recrutaria habitualmente entre os membros dos Arcana Arcanorum Maçônicos, isto é, nos quatros últimos graus do Rito Maçónico Oriental de Mizraïm ou do Egipto, escala de Nápoles.

Como este sistema não era sempre satisfatório, Giuliano Kremmerz (1868-1930) criou a Fraternidade Templária e Mágica de Myriam. A F+T+M+M foi uma formidável organização preparatória às operatividades Osírianas, mesmo que certas personalidades eminentes desta Corrente como o Príncipe Caetani, e o próprio Kremmerz no fim de suas vidas, tenham considerado a criação da F+T+M+M como um erro. A F+T+M+M bem como a Ordem de Osíris, ainda possui, atualmente, sobreviventes.


Os Arcana Arcanorum

Os Arcana Arcanorum, dos quais fizeram correr muita tinta, péssimas a propósito, nestes últimos anos, criando assim um mito bastante inútil, constituem os graus terminais de várias Ordens semi-internas, ou ainda as práticas “terminais” de vários sistemas Tradicionais. É necessário distinguir o sistema dos irmãos Bédarride, baseado na Cabala e na Regra de Nápoles que constituem o verdadeiro sistema dos A::A::.

Os A::A:: estão presentes na O::H::T::M::, e nas Ordens ou Colégios Hermetistas. Os A::A:: são definidos por Jean Pierre Giudicelli de Cressac Bachelerie, em seu livro De la Rose Rouge à la Croix d’Or, Ed. Axis Mundi (Paris-1988), na pág. 67: “Este ensinamento concerne em uma Teurgia, i. e., a entrada em relação com os éons-guias que devem tomar a direção para fazer compreender um processo, mas também uma Via Alquímica muito fechada que é um Nei Tan, isto é, uma Via interna”.

Os A::A:: Maçónicos parecem ser em realidade, mais que os graus terminais da Maçonaria Egípcia, a introdução a um outro sistema. De fato, não encontramos actualmente nenhum responsável por organizações tradicionais Maçónicas e outras detendo a totalidade do Sistema, a maioria ignora mesmo o conteúdo real dos A::A::.

Os A::A:: constituem de fato uma qualificação para outras Ordens mais internas ligadas às Correntes Osíriana ou Pitagórica ou ainda à Correntes dos antigos Rosa+Cruzes, como a Ordem dos Rosa+Cruzes de Ouro do antigo Sistema, a Ordem dos Irmãos Iniciados, e outras, que permanecem desconhecidas, escapando assim à pesquisa histórica e sobretudo aos problemas humanos. J. P. G. de Cressac Bachelerie, faz referência a Brunelli, em seu livro já citado, na pág. 79, que os A::A:: constituem de fato a introdução para outras Ordens: “Como indicou G. M. Brunelli em seus formidáveis trabalhos sobre os Ritos de Mizraïm e Memphis, outras Ordens sucedem aos A::A::”.

Saindo dos aspectos Maçónicos, descobrimos quatro ou cinco outras Ordens (Grande Ordem Egípcia, Ritos Egípcios, assim como outras três que não podemos mencionar). Cada vez mais certas organizações Tradicionais não utilizam o nome A::A::, detendo a totalidade ou parte do conjunto Teúrgico dos A::A::, caso por exemplo, da Ordo Aurum Solis que constitui uma emanação da Escola de Florença e não têm nenhum laço, contrariando a afirmação de alguns, com a Corrente anglo-saxônica da Golden Dawn.

Os Sistemas completos dos A::A::, cuja Maçonaria Egípcia não detêm que uma parte, comporta de fato três disciplinas.

Teurgia e Cabala Angélica: com notadamente as Invocações dos 4, dos 7, e a grande Operação dos 72.

Alquimias metálicas: entre diferentes Vias, os documentos em nossa posse parecem dar prioridade à Via do Antimónio, mas outras Vias, notadamente a Via da Salamandra parece constituir um elemento central do Sistema, porque dependente, por sua vez, da Via externa e da Via interna.

Alquimias internas: segundo as Correntes internas, as Vias práticas diferem menos tecnicamente que pelos detalhes filosóficos e míticos respectivos, às vezes totalmente opostos. As Alquimias internas, como algures as Alquimias metálicas, encontram sua origem no Oriente e, mais particularmente, segundo Alain Daniélou, no Shivaísmo. Independente de onde sejam, já fazem parte da herança Tradicional ocidental pelo menos há dois milénios, como atesta certos papiros egípcios.

Naturalmente, é neste último aspecto das Alquimias internas que encontramos os aspectos mais especificamente Osírianos dos A::A::. É provável que na Idade Média e na Renascença, este Sistema fosse exclusivamente Caldeu-Egípcio, e seria pouco a pouco, e principalmente em seus aspectos Mágicos e Teúrgicos, que o Sistema teria sofrido em certas estruturas Tradicionais uma “cristianização” ou uma “hebraização”. Encontramos às vezes com relação a isto a expressão “cristianismo caldeu”.

Em conclusão a esta introdução, instigação à Viagem pelo Mundo Secreto, convém lembrar a característica heróica da Queste, atestada por todas as sagas. Todas as Tradições descreveram as Vias Reais por metáforas guerreiras. Isto não é somente uma figura de estilo, é a indicação precisa das qualidades requeridas para partir ao assalto da Cidadela do Ser. O conhecimento é Ciência e Arte; Ciência, porque cada frase é verificável experimentalmente, Arte porque o Adepto é um criador, não um simples ator deste mundo, mas realmente seu criador e seu ordenador.





Notas

(1) Referencia à obra de Giordano Bruno, e à Eros et Magie à La Renaissance de Couliano;

(2) Mantêm-se no ocidente alguns círculos muitos fechados de organizações Tradicionais, de Espertos, de depositários das Vias Internas, pertencentes às Correntes Maçônicas Egípcias, Rosacruzes (antigas filiações R+C), Martinistas, Gnósticos, Pitagóricos, Hermetistas; as mais representativas da Tradição. Trabalham notadamente na manutenção das Regras Tradicionais, na primazia do Iniciático sobre o profano, no próprio seio das SS, quer sejam de características exotérica, mesotérica ou esotérica, recusando todos os compromissos com os quais nosso século de facilidade cedeu lugar;

(3) Ler La voie magique du héros de Cesare de la Riviera, Ed. Arche, Milano;

(4) Trata-se dos três primeiros graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro e Mestre) da Maçonaria. – Nota do Tradutor.


Bibliografia

Bibliografia sucinta para aprofundamento da filosofia do Ocultismo e do Hermetismo, e da história e a especificidade das SS presentes ou ativas no curso do século XX:

AMADOU, Robert: L’occultisme, esquisse d’un monde vivant, Ed. Chanteloup, Paris, 1987;

BACHELERIE, J. P. G. de Cressac: De la Rose Rouge à la Croix d’Or, Ed. Axis Mundi, Paris, 1988;

BARRUCAND, Pierre: Les Sociétés Secrètes, entretiens avec Robert Amadou, Ed. Pierre Horay, 1978;

CAILLET, Serge: Sâr Hiéronymus et La F.U.D.O.S.I., 1986, Cariscript, Paris;

INTROVIGNE, Massimo: Il cappello del mago, Sugarco Ed., 1990;

KREMMERZ, Giuliano: Introduction à la science hermétique, Ed. Axis Mundi, Paris, 1986.

1 comentário: